terça-feira, 29 de maio de 2007

Pedrada no charco (I)

A comitiva do Primeiro-Ministro foi apedrejada (num viaduto da A1, na zona de Albergaria-a-Velha). Tendo como certo que Sócrates não sofreu qualquer dano físico com este incidente, julgamos que os danos psicológicos, terão obrigado o Primeiro-Ministro a reflectir, no resto da viagem até S. Bento, interrogando-se como é possível que haja ingratos que não reconheçam o extraordinário trabalho que está a desenvolver em prol do “bom povo Português”É evidente que os indivíduos que atiraram as pedras nada percebem de indicadores económicos e certamente que não sabem interpretar as estatísticas oficiais que dizem que, este ano, vamos ter um crescimento económico que poderá ser superior a média da União Europeia. Provavelmente só conseguiram entender que o desemprego atingiu a bonita cifra de cerca de 9% e atingirá os dois dígitos até ao final do ano, porque esse indicador, esse sim, está de acordo com o que eles sentem na pele no dia a dia, ou seja:

- A taxa de inflação está a subir, com a consequente diminuição do poder de compra, afectando a procura interna.

- Os efeitos sociais do desemprego são a perda de dignidade humana.

- A taxa de juro, que os bancos, esses beneméritos, que têm apresentado resultados tão bons, se apressam a antecipar, na determinação da prestação da casa, quando sonham que o BCE vai aumentar a taxa de referência, está num processo de subida imparável.

É claro que a um, ou mais indivíduos que chegam ao desespero de cometer um acto criminoso como este, será difícil explicar que a nossa economia apresenta estes indicadores porque a procura externa está a “puxar” por ela, e, claro que, só entendem que aquilo que os economistas chamam procura interna, para eles, significa que os seus bolsos estão cada vez mais vazios, e também que a riqueza está mais concentrada nas mãos dos antigos e novos ricos.
A única coisa que estes criminosos compreendem é que há centenas de empresas multinacionais num processo de deslocalização com o consequente fecho de centenas de micro, pequenas e medias empresas, que gravitam à sua volta e que de repente se vêm sem clientes, ficando perfeitamente claro que isso vai tirar o pão a muitas bocas.
Costumamos ensinar aos nossos alunos que, basicamente, o objectivo da ciência económica é estudar uma forma de lhes trazer a “felicidade”Não estamos a ver que as pessoas apresentem um ar feliz, antes pelo contrário vemos as pessoas acabrunhadas, sem perspectiva, e muito pouco entusiasmadas com os anúncios de correcção dos indicadores por parte do Banco de Portugal, da OCDE ou do Fundo Monetário Internacional.
Vemos um indicador do estado de saúde de uma economia - a evolução da construção civil - numa situação de crise sem precedentes, afectando a jusante e a montante todos os outros sectores.
Vemos o Estado, num esforço que, à primeira vista, se julga ser necessário e meritório, a “apertar” com as empresas, rasgando, literalmente, o tecido produtivo, com o objectivo de obter receitas a todo o custo, mostrando, assim, a Bruxelas, que somos excelentes a cumprir o PEC (Pacto de Estabilidade e Crescimento), mas que acaba por resultar na explosão de economia paralela que já representa mais que 30% do PIB.
O que dizer da ideia peregrina, por parte do tão badalado, e, ainda, não demitido, Director Geral das Finanças que resolveu transferir para terceiros a responsabilidade do pagamento das dívidas ao Fisco, colocando as empresas numa situação aflitiva, uma vez que, ao não poder pagar aos fornecedores, fazendo de fiscal e de responsável pelas obrigações fiscais de outrem, as empresas, e damos como exemplo, as de promoção imobiliária, acabam por ver as suas obras paradas, pois os empreiteiros não conseguem segurar o pessoal que não recebe ao fim do mês, num sector, já de si, fragilizado pela quebra das vendas, que resultam da queda abrupta nos índices de confiança. Somos sistematicamente surpreendidos com as noticias que nos dão conta que há Portugueses, emigrantes recentes, a trabalhar em Espanha e outros países, em condições miseráveis, qual válvula de segurança para a panela de pressão do conflito social que inevitavelmente resulta de valores tão elevados do desemprego.
Das cerca de 650 000 empresas que existem neste país, curiosamente, 80% encontram-se situadas num raio de 200 km do epicentro deste pequeno movimento quântico provocado pelo lançamento de umas pedras no distrito de Aveiro, à comitiva do Primeiro Ministro.
Dá que pensar, não é?!!

A.Carreira - Prof. Economia na U.A.T.I.

3 comentários:

Alberto David disse...

Deve-se efectivamente à procura externa a subida da nossa Economia, ainda que a uma taxa muito baixa, mas como estará de acordo, antes uma subida com uma forte componente na exportação, do que uma falsa subida à custa do Consumo Interno, o que se lamenta é que não baixe em termos significativos a despesa do Estado. Quanto ao acto criminoso, ai sim, Dá que pensar, não é?!!

Teresa Nesler disse...

Pois, sobre o assunto em epígrafe não me vou pronunciar por não me sentir à altura. Mas congratulo-me com a participação, e espero que a pedrada no charco seja para continuar. Também acho que ficou fotogénico, sim senhor!

Villa Ruiana disse...

como o assunto em epígrafe não é a minha "praia" como dizem os jovens também não me prenuncio, e tal como diz a Teresa que ficou fotogénico ficou e muito, porque desse assunto percebo eu.
Helena Oliveira