Os índios que moram em suas aldeias com títulos de livres são muito mais cativos do que os que moram nas casas particulares dos portugueses, só com uma diferença, que cada três anos têm um novo senhor, que é o governador ou o capitão-mor que vem a estas partes, o qual se serve deles como de seus e os trata como alheios; em que vêm estar em muito pior situação do que os escravos, pois ordinariamente se ocupam em lavouras de tabaco, que é o mais cruel trabalho de quantos há no Brasil. Mandam-nos servir a pessoas e em serviços a que não vão senão forçados, e morrem lá de puro sentimento.
Padre António Vieira, carta ao rei de Portugal, D. João IV, 1653
Padre António Vieira, carta ao rei de Portugal, D. João IV, 1653
Há porém páginas de prosa que me têm feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noite em que, ainda criança, li pela primeira vez numa selecta, o passo célebre de Vieira, sobre o rei Salomão. E fui lendo, até ao fim, trémulo, confuso; depois rompi em lágrimas felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar.
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego
António Vieira foi um homem com um enorme gosto pela acção; uma personagem empenhada na vida do seu tempo e nas questões em que directamente se envolvia:
- a actividade política e diplomática relacionada com a defesa dos interesses portugueses após a Restauração de 1640;
- o problema da colónia brasileira;
a missionação e a defesa da liberdade dos índios no Brasil (“o pastor (Vieira) é o que apascenta as suas ovelhas [os índios] e ainda o que as defende dos ataques dos lobos [os colonos] Sermão da Epifania, 1662;
a questão dos cristãos-novos;
o seu processo na Inquisição;
prega ao modo tradicional, como já pregava Santo António (século XIII);
considerou que o sermão servia para interpretar o texto sagrado citado (conceito predicável);
para ele o texto apresentava quatro sentidos: o sentido literal, o sentido alegórico, o sentido moral e o sentido analógico;
usou a língua como arte de encontrar as palavras mais próprias para o que se quer significar;
para ele as palavras não eram um instrumento para descobrir uma verdade, mas para motivar a vontade numa acção (a teoria do V Império – crença na missão providencial dos Portugueses);
nas suas deambulações converteu várias tribos de índios, pacificou muitos, aprendeu algumas das sua línguas;
nos seus sermões (principalmente Sermão de Santo António aos Peixes) destacam-se alguns elementos que, ao nível da linguagem e do estilo, os valorizam:
I. as imagens bíblicas,
II. a antítese e a adjectivação oxímora,
III. as comparações e as alusões metafóricas,
IV. o paralelismo anafórico,
V. as apóstrofes e as exclamações,
VI. as interrogações retóricas,
VII. a expressividade das hipérboles,
VIII. as enumerações,
IX. as amplificações,
X. a alegoria,
XI. o ritmo da frase,
XII. a manutenção do contacto com o auditório (função fática e apelativa),
XIII. o visualismo.
O período barroco aparece influenciado pelo movimento denominado Contra-Reforma, pela renovação da Escolástica e pelo absolutismo régio;
O fenómeno do Barroco constitui um afastamento da estética renascentista devido à necessidade do ser humano encontrar uma nova expressão de vida, uma outra harmonia na busca da perfeição, da verdade, da luz; por isso rompe com a concepção estática e fechada da arte renascentista;
O Barroco é profundamente sensorial e naturalista, apela para as sensações fruídas na variedade incessante do mundo físico;
O Barroco caracteriza-se pela ostentação, pelo esplendor e pela proliferação dos elementos decorativos; desta forma, recorre ao expressivo, à extravagãncia, à amplificação e ao requinte da forma e do pensamento.
O Barroco, na literatura, caracteriza-se por tentar mostrar a plena inspiração dos autores, quer nas formas, quer nos conteúdos engenhosos de pensamento:
I. os trocadilhos, os vários elementos decorativos da frase, a extravagância formal (estilo cultista),
II. destacam-se como figuras de estilo que melhor servem os ideais estéticos do Barroco a metáfora, a hipérbole e a antítese/o paradoxo;
III. o desdobramento discursivo de um conceito ou as relações fictícias e arbitrárias entre ideias e coisas, enigmas intelectuais (conceptismo).
IV. procura a alegoria para o desenvolvimento das ideias e para estabelecer a passagem entre a razão e a realidade, o mundo humano e o divino, o material e o espiritual.
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