sábado, 26 de abril de 2008

Narcisismo

A parábola de Narciso tem sido uma grande fonte de inspiração para muitos artistas, há pelo menos dois mil anos. Tem início no poeta romano Ovídeo através do livro III Metamorfoses, transmitindo-se à cultura ocidental por intermédio dos autores renascentistas. Isto foi seguido em séculos mais recentes por outros poetas como John Keats, e pintores como Caravaggio, Nicolas Poussin, Turner, Salvador Dali, e Waterhouse. Quem é afinal Narciso? A ideia surge muito provavelmente da superstição grega segundo a qual contemplar a própria imagem prenunciava má sorte, caracterizando-se por um simbolismo que fez dela uma das mais duradouras de toda a mitologia. Narciso era um jovem de singular beleza. No dia do seu nascimento, o adivinho Tirésias vaticinou que ele teria vida longa desde que jamais contemplasse a própria aparência. Indiferente aos sentimentos alheios, Narciso desprezou o amor da ninfa Eco, provocando com o seu egoísmo o castigo dos deuses. Ao observar o seu próprio reflexo nas águas de uma fonte, apaixonou-se pela própria imagem e ficou a contemplá-la até se consumir. A flor conhecida pelo nome de narciso nasceu, então, no lugar onde morrera. O caule inclina-se antes da flor, pendendo, para que esta esteja virada para baixo, em vez de para cima. A personagem mitológica, estava a olhar para o seu reflexo quando foi transformado na flor, senão, o caule estaria direito e firme. O que o jovem ama é a sua reflexão - a sua alma sombra. Sob esta influência ama-se o que se auto reflecte e, reflecte-se o que se ama. O desenlace trágico acima transcrito é a consciencialização de Narciso de que está perdidamente apaixonado pela sua própria imagem, de que a sua paixão é um amor do «self», e não um amor pelo outro. Tal descoberta leva-o ao desespero e à morte, devido a um desvio patológico. Este desenvolvimento de se voltar para si mesmo domina e exclui a necessidade de qualquer pensamento, ou novo impulso. Na psiquiatria e particularmente na psicanálise, o termo narcisismo designa a condição mórbida do indivíduo que tem interesse exagerado por si próprio. Paul Näcke em 1899, introduz pela primeira vez o termo «narcisismo» para designar este estado de amor por si mesmo, que viria a constituir uma nova categoria de perversão. Em Leonardo Da Vinci numa lembrança à sua infância o conceito narcisismo vem fundamentar um tipo de identificação, quando ante a perda de um objecto, o ego se transforma à imagem e semelhança daquele. O narcisismo aqui pode surgir como uma defesa ao caos, tal como sua função no princípio: o narcisismo organiza as pulsões parciais, dirigindo-as ao eu. Imersos no narcisismo resultante do individualismo (eu sou bom não sou é compreendido) tudo gira à volta dum ego desmesurado. Nos dias que correm, com o desenvolvimento de escolas como a Psicologia do Self, de Heinz Khout, o narcisismo ganhou ainda mais destaque. Nesta corrente, porém, é importante distinguir entre o narcisismo normal ou o doentio. Acontece que, ao olharem para nós, não é como pessoas reais que nos vêem, mas sim como imagens, que admiram ou não. Preocupam-se tanto consigo mesmos que não se apercebem das necessidades dos outros. Segundo Freud, os narcisistas incidem sobre si mesmos a escolha do objecto sexual, projectando sobre os seus parceiros características que são próprias da sua personalidade, e buscando neles pontos que coincidam com a sua forma de ser, para que possam amar estas pessoas como foram amados pelas suas mães. Estes eventos mentais conduzem a outros distúrbios, como a megalomania e a crença no poder supremo do pensamento denominadas «neuroses narcísicas». O egoísmo, e amor exclusivo a si mesmo opõem-se ao altruísmo, ao amor ao outro. É esta exclusividade do amor a si mesmo com exclusão do outro, que vai tornar impróprio este amor. São exploradores nas suas relações, e usam os demais para alcançarem os seus objectivos nas relações interpessoais. O narcisismo muito excessivo e o que dificulta o indivíduo a ter uma vida satisfatória é reconhecido como um estado patológico e recebe o nome de transtorno de personalidade narcisista. Indivíduos que sofram desta alteração julgam-se grandiosos e possuem necessidades de admiração e aprovação de outras pessoas em excesso.

Diz o príncipe Korasoff a Julien, o protagonista, sobre a sua amada: «Ela olha para ela em vez de olhar para ti, e por isso não te conhece. Durante as duas ou três pequenas explosões de paixão que ela se permitiu a teu favor, ela, por um grande esforço de imaginação, viu em ti o herói dos seus sonhos, e não tu mesmo como realmente és».

Le Rouge et le Noir - romance de Stendhal de 1830 (onde encontramos um narcisista clássico na personagem de Mathilde).

Teresa Nesler – Trabalho de pesquisa desenvolvido para a aula de Psicologia

Sem comentários: