Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola
Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade
Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prêmio de ser assim
sem pecado e sem inocência
Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro
Penteiam-nos os crânios ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
conosco quando estamos sós
Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo
Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro
-
Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco
Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco
-
Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura
Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura
-
Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante
Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante
-
Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino
Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino
-
Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte.
-
Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte.
-
Natália Correia
-
-
Natália Correia nasceu a 13 de Setembro de 1923 na Ilha de São Miguel, nos Açores. Veio estudar para Lisboa ainda criança e cedo iniciou a sua actividade literária. Poetisa, ficcionista, ensaísta, tradutora, dividiu a sua criatividade pelo teatro e pela investigação literária.Empenhada politicamente, viu vários dos seus livros serem apreendidos pela censura, chegando a ser condenada a três anos de prisão com pena suspensa, acusada de abuso de liberdade de imprensa.
Morreu em Lisboa a 16 de Março de 1993.
A sua vasta obra poética encontra-se reunida em Poesia Completa: O Sol nas Noites e o Luar nos Dias, 1993. Natália Correia é ainda autora de obras como A Ilha de Circe (ficção), 1983; Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente (teatro), 1981; Uma Estátua para Herodes (ensaio), 1974.
Ouça alguns poemas seleccionados de Natália Correia-Poesia Completa e leia Soneto de Abril, que demonstra o empenhamento político da poetisa.
Pode ainda ler uma recensão sobre o Auto da Feiticeira Cotovia.
Morreu em Lisboa a 16 de Março de 1993.
A sua vasta obra poética encontra-se reunida em Poesia Completa: O Sol nas Noites e o Luar nos Dias, 1993. Natália Correia é ainda autora de obras como A Ilha de Circe (ficção), 1983; Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente (teatro), 1981; Uma Estátua para Herodes (ensaio), 1974.
Ouça alguns poemas seleccionados de Natália Correia-Poesia Completa e leia Soneto de Abril, que demonstra o empenhamento político da poetisa.
Pode ainda ler uma recensão sobre o Auto da Feiticeira Cotovia.
Publicado por A.David
Sem comentários:
Enviar um comentário