quarta-feira, 5 de março de 2008

DIAS CONTADOS XVI

Um outro atractivo - Quando as grandes questões da existência me atormentam, e as dúvidas persistem, é lá que procuro refúgio. Por vezes, a encruzilhada da vida também se complica, e sem sinais de esperança, um a um vão-se apagando todos os meus sonhos. Entre os silêncios e a palavra, é lá que procuro resposta às minhas necessidades, e me permito encontrar o equilíbrio. É que a partir dele, tudo parece ganhar outra dimensão, como se de uma descoberta guiada se tratasse. A clareza da sua linguagem, a forma de se exprimir, a grandeza do seu espírito, tornou-se referência obrigatória, domingo após domingo. Ali a doutrina não se esvazia, e firme e absoluto, com sentido de missão, ele promove o diálogo com perícia, combatendo a consciência ligeira, e o adormecimento da actual sociedade. Com uma enorme capacidade de chegar aos outros, ele mobiliza, e acrescenta, sem nunca deixar de investir na interactividade com a comunidade. Todo o seu discurso é estruturado, pertinente, e vibrante de convicção. As palavras são acesas, e é de viva voz que nos cativa, por vezes elevando o tom. Orador magistral, e atento ao mundo que mudou, o seu papel é preponderante, quer nos gestos, quer na forma de comunicar, ou noutros ângulos de abordagem. O território é vasto, e os caminhos intermináveis. Em busca do sagrado, nesta viagem ao meu interior, a dinâmica da escuta leva-me às profundezas da alma, e acalenta-me de novo as expectativas. Para lá da justeza dos vocábulos, o padre César simplesmente desperta-nos para a vida, embalando-me os sentidos.

Património da língua – Sábado passado voltei a passar por lá. Afinal nunca as palavras de há tantos séculos fazem hoje tanto sentido como as dele, através dos seus grandes textos da vida. Aliás o tema seria inesgotável, e a este homem de linguagem poderosa, força profética e visionária, que nos escreve numa prosa barroca para além do seu tempo, há sem dúvida uma relação com a transcendência, e o nosso próprio futuro. No ano em que se comemora o quarto centenário do nascimento do maior pregador português, foi importante reunirmo-nos na biblioteca municipal, e revermos as injustiças sociais que o padre António Vieira denunciou, tal como os direitos humanos na defesa dos índios. Ele é como que a recuperação dos nossos dias, e há quem afirme que sem ele talvez que nem Camilo, nem Saramago pudessem existir. As suas cartas e sermões, em tom argumentativo e dialéctico, de incomparável vernaculidade, e surpreendente imaginação, constituem um valioso testemunho das opiniões do universo luso-brasileiro do século XVII. Quer queiramos quer não, ele é nosso contemporâneo, e representa a humanidade de cada um de nós.

Teresa Nesler

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