quinta-feira, 18 de outubro de 2007

DIAS CONTADOS VIII

Na linha da frente – Faça chuva, ou faça sol, ela está sempre lá. Com o oceano ao fundo, e o casario à espreita, ao som da cadência ritmada das ondas, e do cheiro a maresia. Naturalmente faz da esplanada um prolongamento da sua própria sala de estar, e breves instantes chegam para a ver dar um beijo a um, apertar a mão a outro, sussurrar para um lado, e sorrir para mais alguém, com meio mundo a seus pés! Assim é a Zizi, e o seu frenético dia a dia, e aqueles são apenas uma pequena parte dos infindáveis protagonistas que a rodeiam, num universo que é tudo menos estático. Confesso que é sempre um enorme prazer ir ao seu encontro, como se alegremente me despertasse para a vida. Numa destas tardes, quando trocávamos um dedo de conversa, ao sabor de uma agradável sopa de grão, rematada com um cheirinho a hortelã, tive o privilégio de conhecer no seio do seu circulo de amizades, o ilustre casal do Porto, José e Lurdes Neto, a quem completamente me rendi. Foi ali mesmo, naquele magnifico cenário, que recebi uma singular aula de literatura ao ar livre, sobre precisamente Cesário Verde. Tendo em mãos o seu livro de poemas, e confrontando-me com uma certa perplexidade em lhe reconhecer a genialidade, que muitos lhe atribuem, bastou o José soltar as palavras certas, para mais tarde o redescobrir. As imagens do quotidiano citadino, o reencontro com o campo, a poesia descritiva, a aproximação à pintura impressionista, o interesse pelo conflito social, e o colorido da linguagem que me foram apontados, inverteram-me a opinião, num momento de viragem absolutamente único. A partilha do conhecimento, e o cruzamento de saberes, às vezes geram estas coisas!

E eu, apesar do sol, examinei-a:
Pôs-se de pé; ressoam-lhe os tamancos;
E abre-se-lhe o algodão azul da meia,
Se ela se curva, esguedelhada, feia,
E pendurando os seus bracinhos brancos.

Cesário Verde (Num bairro moderno)

Pura magia – A viagem é iniciada cedo, quando a neblina ainda paira no ar. À medida que vamos avançando, o sol desperta, e o arvoredo prende-me o olhar, que se cruza com uma nova descoberta. Logo a seguir à passagem pela Ribeira, sou invadida por uma sensação de liberdade, ao contemplar a paisagem vasta, e o infinito do horizonte. Não há vento, e apenas uma leve brisa toma conta de mim, trazendo-me sossego, e tranquilidade. Tento esquecer as horas, e consumi-las vagarosamente, para não fugir à realidade que me envolve. Inclinadas sobre o rio, as vinhas das encostas não são mais do que um rasgo de emoção. Ao encontro das expectativas, o vinho da região demarcada anda por todas as bocas do mundo fora. Passamos por baixo de pontes, por pequenos aglomerados aqui e ali, pela barragem de Crestuma-Lever, por outros barcos, e outras gentes, que das margens nos acenam em sinal de paz. Só o pássaro que sobrevoa quebra o silêncio que nos fala mais alto. Um dia no Douro não me chega, e a memória e a nostalgia pedem-me para quanto antes lá voltar.
Teresa Nesler

1 comentário:

Anónimo disse...

Acabo por não tecer directamente um comentário á escrita, mas faço-o á pessoa e aqui lhe envio o convite de ouvir comigo o Fado da Trova Escondida da Mafalda Arnaulth,penso que se adapta..beijinhos e os meus parabéns.